24 março 2003

ADAPTAÇÃO

O bochechinha rosa Rubens Ewald Filho é um cara que só gosta de filmes clássicos, de preferência estreado pela Audrey Hepburn e que contenham grande planos-seqüência em preto e branco. Sabe, assustadoramente, e decoradamente, o nome das centenas de caras chupadas pelo tempo que passam em frente às câmeras naquelas homenagens bregas que todos os anos o pessoal do Oscar insiste em prestar. Estava quase morrendo de tristeza por que o rap de Eminen [''Lose Yourself'', de ''8 Mile] ganhou o Oscar de melhor canção, já que provavelmente lhe apetecia mais aquelas baboseiras de sempre do Elliot Goldenthalou do Paul Simon. Isto não significa que eu tenha ficado especialmente feliz com tal prêmio, uma vez que detesto o Eminem e as porcarias que ele compõe (?), mas não é por isso que ficaria tendo crises histéricas só por causa de um prêmio adorado por quase toda a indústria cinematográfica que ainda se importa com o que Hollywood pensa.

Estas devem ser credenciais bem explicativas para justificar o fato do crítico ter desencado o filme Adaptação, que eu, particularmente, tendo-o assistido neste sábado, achei uma das coisas mais interessantes e bem resolvidas feitas atualmente no cinema. Isto que o ano recém começou, e isto que, mesmo tendo achado-o um grande filme, não fiquei satisfeito com o final de filme de ação a que o filme acaba se submetendo.

No más, é difícil passar imune à atuação de Nicolas Cage como o protagonista do filme - o roteirista Charlie Kauffman, brincando consigo mesmo, neste filme que foi escrito pelo próprio - e seu irmão gêmeo, Donald [que, até agora se sabe, o Charlie Kauffman não tem]. O Charlie do filme, que é difícil de acreditar que seu autor seja tal qual, é extremamente irritante, com um complexo de perdedor muito mais que instaurado, de um rigor criativo imenso com seu processo de criação de roteiros e que acaba sempre exercendo uma postura extremamente superior à seu irmão, um sujeito igualmente gordo, com o mesmo parco cabelo e calvície mais do que proeminente, mas que, ao contrário de Charlie, é seguro de si e, mesmo fazendo o contraponto ao tipo genial que pretende Charlie, consegue se descolar bem mais nas mais simplórias situações.

Charlie é um cara que sua como um porco na frente de mulheres, é extremamente irritante com seu pedantismo formal de defesa da originalidade dos roteiros, e quase sempre humilha seu irmão, quando este anuncia que também será roteirista, e, para isto fará um curso de fim de semana com um falcatrua qualquer. Quando volta do curso, com idéias que sempre se voltam para um filme de ação com tramas nada originais de psicopatas e políciais ensandecidos, deixa seu irmão ainda mais nervoso, a ter que lhe explicar freqüentemente que não tem nada de original naquelas idéiais e tudo aquilo já tinha se visto.

Com um problema de ter que adaptar um bestseller sobre um colecionador de orquídeas, escrito pela personagem de Meryl Streep, que realmente conhece tal encantador homem sem os dentes da frente, mas com uma lábia que seduz a muitos, vivido pelo bacana ator Chris Cooper, Charlie Kauffman vai quase enlouquecendo em seu nulo processo criativo e acaba tendo que recorrer ao tal cursinho de fim de semana para ver se destranca do seu retardamento de escrita.

Bueno, se contar o resto estraga. Mas a coisa enlouquece a tal ponto que Charlie e Donald acabam conhecendo de uma maneira não muito agradável o próprio colecionador de orquídeas e a escritora do livro, e o troço desbanca um tanto para ação [com duas incríveis seqüências de batidas de automóvel]. Por aí, se vê que a tal adaptação contida no nome do filme não se refere somente ao processo de transcrever a obra literária para a linguagem do cinema, mas a própria descoberta que Charlie faz de si apartir de seu irmão e de certas reflexões de vida que estabelece. É um filme mais inteligente que a grande média, e que não se destina somente aos interessadinhos no cinema mais descolado, que caras com uma fama um tanto esquizóide como Spike Jonze [que, descobri recentemente, é um dos roteiristas de Jackass... Que bosta.] tem protagonizado. E o resto?Bem, o resto é o resto...