25 maio 2005

Em seu último artigo no NoMínimo, Carla Rodrigues veio manifestar sua opinião sobre o que chama de "A Farra dos Escritores". Com considerações de que a Bienal do Livro, realizada no Riocentro, no Rio de Janeiro, e que terminou neste domingo, 22, "teve mais a ver com belas bolsas e uma farta agenda de debates que incluía o que já se pode chamar de ‘celebridade das letras', do que com qualidade literária", a colunista volta a engrossar o cordão dos que acham que as festas relacionadas ao livro somente alimentam o culto às celebridades e que os escritores, nestas ocasiões, se tornam performáticos artistas, distanciando-se, portanto, da visão romântica até então impregnada no imaginário popular.

Senão vejamos. Eis o que nos diz a colunista: (" (...) o estereótipo do escritor é o sujeito que prefere os livros ao convívio humano, e se sente mais à vontade diante de uma tela de computador do que de uma platéia. Cada vez mais, o que se vê são escritores desenvoltos diante de microfones, esmiuçando ao público detalhes do misterioso processo de criação.")

Para a colunista, parece ruim o último enunciado não? Que os escritores se tornem seres desenvoltos diante de microfones, capazes de fascinar o público com suas considerações acerca dos processos da escrita, estaria contribuindo para se quebrar a tão desejada (e antiquada) mitologia do escritor como ser intocável e recluso. Manifestações deste tipo já se fizeram (e deverão se fazer novamente) em época de FLIP. A auto-proclamada Festa Literária Internacional de Parati sofreu críticas dos conservadores de plantão por fazer dos escritores personalidades mais importantes do que os livros em questão. Certo é que estavam por lá Chico Buarque provocando gritinhos nas fãs histéricas e ousando nublar a presença até de Paul Auster. Mas o princípio de aproximar - sem frescuras e didatismos - o leitor do autor e, por conseguinte, dos livros, sempre foi a proposta da FLIP.

Que o livro deve falar mais por si mesmo, do que o escritor por ele, é óbvio. O que se esquece, quando considerações assim são despejadas, são os benefícios que a aproximação do público de todos os elementos relacionados ao livro são capazes de acarretar. E, óbvio também é que não falaríamos de livros sem falar de escritores. O que torna engraçado quando, em meio aos tão festejados festivais de cinema, ninguém venha a questionar os debates fascinantes protagonizados pelos diretores tecendo comentários sobre suas próprias obras.

Carla Rodrigues fala em "era das celebridades", achando que tanto público, esta participação tão grande de interessados presentes nos onze dias da Bienal (foram cerca de 630 mil pessoas nestes dias, tendo sido vendidos 2,3 milhões de exemplares, contra 1,6 milhão de dois anos atrás, num total de R$ 41,5 milhões, contra R$ 36 milhões de 2003 em lucro) se deve somente a um fenômeno de nossa época. Um mero fenômeno que viria a se somar a um culto ao ídolo já presente em tantas outras formas. Certo é que a consagração de "escritores" como o vencedor do programa "Big Brother", Jean Willys, e um dos grandes assediados com pedido de autógrafos na Bienal, com certeza faz parte deste fenômeno. É mais um entre tantos que servem para destoar de tanta qualidade literário e tantos bons escritores presentes. Assediados também, lógico. Ainda que em menor número - e o caso aqui não é um jogo de comparações de índices! - e sem que comparações assim sejam necessárias, é certo que a presença de escritores portugueses como Inês Pedrosa, ou espanhóis como Rosa Montero (autora do ótimo "A Louca da Casa"), e mesmo os brasileiros de grande nome como João Gilberto Noll, Moacyr Scliar, Ivana Arruda Leite, Luiz Rufatto, entre tantos outros, são a prova da boa qualidade literária a que se tem acesso freqüentadores de eventos como a Bienal.

Zuenir Ventura, colega de Carla no mesmo NoMínimo, desde a chamada para seu texto, apregoa o tom que se deve ter quando o assunto são festivais literários de tamanha grandiosidade: "A Bienal não veio para substituir as livrarias, ainda bem, e nem para resolver questões sócio-culturais e econômicas. Como festa, o que ela faz é promover a aproximação prazerosa das pessoas, principalmente crianças e jovens, com livros e autores." Eis a verdade absoluta! Que responde aos românticos - olha eles aí outra vez - enaltecendo as pequenas (e maravilhosas) pequenas livrarias de bairro, onde o dono reconhece e guarda o bom livro para o cliente preferencial. O mercado editorial brasileiro é um caso à parte, reconheçamos. Que serve beneficamente à meia dúzia de gigantes que realmente lucram com o livro como produto. O resto são pequenas editoras, os selos editorias se multiplicando cada vez mais, o autor sem medo de se expor ao público sem o aval da grande "casa editorial". O que importa é ler e ser lido. Por que, ainda que a aproximação do público, em um primeiro momento, se dê, como bem diz Zuenir, do grande produto de massa, sem a necessária qualidade literária, já é um caminho. E o bom leitor chegará onde deve chegar: "Não importa que comecem lendo até o pior porque aos poucos vão aprimorando o gosto e podem chegar ao melhor". E cada vez menos este tenebroso enunciado de Carla Rodrigues será uma verdade distante: "Os livros interessam menos, e cada vez mais são só um bom pretexto."

Publicado originalmente no Simplicíssimo.