08 novembro 2006



Benditos Rebeldes
Publicado originalmente em Paralelos blog




"Isso aqui tá parecendo a Mercearia!".

Foi uma das primeiras observações de Marcelino Freire logo que ele, junto aos "rebeldes" Reinaldo Moraes, Daniel Galera, Joca Reiners Terron, Paulo Sandrini e André Sant’Anna se encontraram reunidos na Sala O Arquipélago, do Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo, por voltas das 18h desta quarta-feira, dia 01. A brincadeira explica-se. A sala, repleta dos escritores radicados em São Paulo, - com exceção de Sandrini - e com a informalidade que logo mostrou ser a tônica da noite, podia muito bem lembrar um dos tantos encontros informais, regado a cerveja bate-papo, que os escritores estão acostumados a protagonizar em São Paulo, na tradicional Mercearia São Pedro. A diversão e o papo girando sobre literatura, com certeza, foram semelhantes. E se Marcelino Freire está presente, diversão não falta. De cara, ele foi um dos responsáveis por quebrar o gelo. Disse que a revista da Feira do Livro, em uma nota, atribuiu a ele a autoria de "Navio Negreiro", de Castro Alves. Uma confusão com o título de sua mais recente obra, "Contos Negreiros".

O quebra-gelo do Marcelino foi a deixa para todos relaxarem e constatar que o clima ia ser esse: puro bate-papo. Desconstração total para falar sobre o assunto, que afinal, acabou por encher quase todas as cadeiras daquela sala: literatura.

Findas as apresentações, Reinaldo Moraes contou que os vinte anos que ficou afastado da literatura estava ocupado fazendo três filhas e co-escrevendo a novela "Bang-Bang". Em seguida, o jornalista Roger Lerina levantou a questão acerca de como, "driblando" a grande imprensa, eles vinham conseguindo estabelecer seus trabalhos "comendo pelas bordas". Afinal, como formavam o público? E a publicação independente, que alguns dos autores presentes encarou no começo de sua carreira, era uma atitude para manter a integridade da literatura? Galera disse que o fato de lançar a editora Livros do Mal junto com o escritor Daniel Pellizzari tinha relação com uma vontade de tomar todo o controle da publicação. Ali estava envolvido mais o prazer da manufatura do livro do que uma necessidade de não ser cerceado na sua produção. Coisa que, aliás, disse, não acontece na Cia. das Letras, desde que recebeu o convite para publicar. O que sempre lhe interessou foi a possibilidade de encarar projetos pessoais, tanto que prentende, num futuro próximo, tomar as rédeas de uma nova publicação sua. Galera crê que hoje aumentaram as formas de publicar. Para ele, as editora médias e grandes se deram conta e estão atentas aos novos escritores.


Claro, blogs


O tema "blog" entrou cedo na conversa, por iniciativa de Reinaldo Moraes que disse que, segundo Xico Sá, o blog não é somente um suporte. Que na verdade esta ferramenta cria um "estilo", baseado na espontaneidade, sem tratamento literário. Já nasce "precário". Instigando, Moraes perguntou se isto é literatura e, apontando Galera, Freire e Terron (os blogueiros presentes) questionou se os blogs representam uma nova corrente literária. Terron disse achar exagerada a discussão, questionando sobre que tipo de leitor se formam nos blogs. O que interessa a esse leitor ler? Na sua opinião, a literatura de Daniel Galera e de Paulo Scott – presente na platéia – não fazem concessões, como poderia ser natural a dois escritores que estiveram atrelados na sua produção literária inicial à web. Não há, para Terron, distância entre os públicos da Livros do Mal e da Cia. das Letras. Quem lê são os interessados em ficção. Para Paulo Sandrini, o romance é um gênero emergencial, de natureza moderna que pode englobar outros gêneros, assim como já foi influenciado pelo cinema. Não há dicotomia, segundo Sandrini, em misturar os diálogos. E o fato de não existir escritor profissional no Brasil é o quê, para ele, dá vazão à maior liberdade de experimentação.


Voltando à questão grandes editoras vs. independente, Marcelino disse ter tido preocupação em ficar "diluído" em uma grande editora quando foi convidado a publicar pela Record. Tinha medo de não "se reconhecer". Preocupação que logo se desfez quando todas as sugestões que fez foram ouvidas: da capa aos tipos usados, pôde intervir e se reconhecer no produto final. Sobre sua entrada no mundo dos blogs, à princípio Marcelino disse ter se sentido velho frente à esta nova tecnologia, mas a vontade de vivenciar foi mais forte e o que era para ser um site virou um blog. Reinaldo Moraes salientou o fato do blog EraOdito ser uma referência, uma "revista literária". Marcelino Freire reiterou o prazer em "divulgar, agitar culturalmente" e falou sobre a decisão de não publicar ficção no blog, do qual deseja agilidade, rapidez.


Semelhança e bukowismo


Quando a questão foi sobre alguma semelhança dos seis autores enquanto grupo, Galera afirmou não ver nenhum ponto em comum entre a sua obra e a de outro escritor. Mesmo quando compara sua obra com a de Daniel Pellizzari, seu "parceiro" literário de longa data, não encontra nenhuma similitude. Para Daniel Galera, a variação enorme de estilos entre os escritores atuais não possibilita a formação de nenhum "grupo". A vastidão de escritores e estilos atuais, faz com que, por exemplo, não consiga classificar o último livro de Simone Campos ("A feia noite").

Para Joca Reiners Terron, a singularidade é a grande característica dos escritores atuais. "Sem acreditar no seu valor individual, ninguém escreve um livro. Acho que nem atravessa a rua", diz Terron. Para o escritor, cada título que um autor lança, muda o panorama de idéias que se tem sobre ele. Dúvida criativa é o máximo que um escritor pode ter, nunca incerteza da sua singularidade. Moraes, no entanto, provoca considerando que ainda hoje existem muitos "herdeiros" de Bukowski.


Crítica: esta maldita


Lógico que não poderiam faltar as opiniões sobre a crítica. Momento em que a polêmica começou – finalmente – a se instaurar e a produzir mais acaloradas discussões no debate que vinha extremamente equilibrado. Para Galera, a crítica tem uma obsessão em colocar no mesmo saco autores como Marçal Aquino, Patrícia Mello e Marcelino Freire, por sua temática urbana. Moraes (provocador, novamente) crê que ninguém atualmente quer se autodefinir. Sua dúvida é: em tempos de vale-tudo, não pode se perder os critérios? Logo o escritor se dá conta do "elitismo" de sua presunção em querer delimitar critérios e volta atrás na sua consideração. Para André Sant’Anna, a demora em surgir uma geração que sucedesse a de João Ubaldo, Rubem Fonseca, é o que fez com que a crítica se apressasse a querer incluir os recém surgidos Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Bernardo Carvalho todos sob um mesmo rótulo. Surgem as denominações tão constantes quanto inevitáveis: transgressor, vanguarda, rebelde. Mas o que incentiva André Sant’Anna continua sendo a busca da sua voz própria. Marcelino Freire acha errada a discussão sobre "o que vai ficar, o que não vai ficar". O que ele quer é "agitar, movimentar a cena". Faz questão de afirmar que não é porque ganhou um Prêmio Jabuti que vai se acalmar. Quer sempre ter o lado "amador" de quem agita o cenário literário.

As discussões sobre a crítica não escaparam dos naturais inconformismos. Galera crê que amigar-se do crítico é a melhor "estratégia". Quando da publicação de seu segundo livro, "Até o dia em que o cão morreu", o crítico Paulo Polzonoff teria simplesmente "destruído" através de uma resenha. Quando passaram a se corresponder por e-mail, Polzonoff teria reconsiderado alguns de seus pontos de vista.

O que rendeu risos foi sua lembrança sobre a "comoção pública" que o seu primeiro livro "Dentes Guardados" causou quando foi traduzido na Itália. Com o título "Manuale per investire cani", antes mesmo de sua chegada às livrarias, foi rechaçado por grupos de defesa aos animais, achando tratar-se de algum tipo de obra pregando a prática de atropelamento canino.


Jerônimo Teixeira


O episódio Jerônimo Teixeira também não passou em branco. Marcelino Freire e André Sant’Anna relembraram tanto as críticas ofensivas destiladas contra o livro "Sexo" de Sant’Anna, quanto o deboche do crítico da Veja insurgindo-se contra o Movimento Literatura Urgente. Apesar de Joca Reiners Terron analisar o fato sob um ponto de vista positivo, considerando o número enorme de escritores que é publicado e não recebe uma mísera nota de imprensa (com o que todos concordaram), crendo que mesmo uma nota negativa na revista "Veja" é importante para o escritor e não influencia os leitores, Jerônimo Teixeira não escapou de ver seu livro "As horas podres" virar objeto de ironia pelos escritores. Terron, descontraindo, disse que na verdade, nenhum deles, assim como ele, não ficaria feliz enquanto não lesse uma crítica chamando-os de "gênios".


Uma constatação comum a todos, levantada por um comentário de Galera foi sobre a "indulgência" dos seus contemporâneos. Nenhum escritor próximo a eles escapa dos lugares-comum na avaliação dos seus trabalhos."Bacana", segundo Galera, é a opinião mais contundente sobre seus livros que recebe quando cercado de amigos. Lembrou um documentário sobre Leonard Cohen em que ele conta como os poetas de Toronto se reuniam para ler e criticar impiedosamente os poemas uns dos outros. Para Marcelino Freire, o mundo autoral é uma "guerra" e cada escritor, diferente dos poetas, só se preocupa consigo mesmo. Para Terron, a cordialidade brasileira é a culpada: não vai perder um amigo por um comentário desagradável em uma mesa de bar.


Q.I.: Quem indica


Para Reinaldo Moraes, o crivo crítico já é da própria editora. É a constatação máxima de que o livro em questão tem qualidade, independente das opiniões que virão depois por parte da crítica. Sem muito tato, uma vez que estava cercado por Terron e Galera, que se auto-editaram no começo de suas carreiras, concluiu que não há critérios para quem se auto-edita. Para Moraes há o perigo de queda de qualidade nessa atitude. Como Moraes insistisse em vangloriar a figura do editor, sobretudo puxando sardinha para Luiz Schwarcz, seu editor na Cia. das Letras, Joca Reiners Terron, ainda que com um rancor mal escondido, disse que é preciso questionar se Schwarcz é mesmo um gênio. Afirmando que é preciso, sim, ter q.i. (quem indique) dentro de uma grande editora para ser publicado, brincou com o fato de Moraes ser casado com uma editora da Cia. das Letras: "Precisou comer a editora para ser publicado! Seu livro deve ser uma bosta!".