07 janeiro 2003

vácuos esparsos:


A marmita na mão, sentado no paralelepípedo [palavra bonita] e os olhos perdidos em um futuro melhor. Olha pro lado e vê um encarte do zaffari. "Hum, dois e noventa e nove o yaculte. Quando tiver dinheiro, comprarei." Deolar remancha e acha que não vai comer o ovo; pergunta se eu quero. Não me faço de rogado.

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- Puto de merda! Sai, sai. Fica o dia inteiro sentado neste chafariz. Quem tu pensa que é, seu merda! Vai botar umas cuecas!

- É, mas eu entendi o último filme do David Lynch... Sou gay mas sou feliz. Há, há.

- Feliz tu vai ver um soco no teu nariz, puto de merda!

- Segurança!

- Quem é que começou esta merda aqui, porra? Tão achando que tão no mercado público?

- Ele não entendeu o último filme do Lynch...

- Quê?! Não entendeu? Mas tu é mesmo um imbecil. Sai daqui, burro de merda! Sai, sai.

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Uma gola rulê muito, muito alta. Um vento - sim, talvez algum vento nos cabelos, porque vento nos cabelos sempre fica extremamente estiloso. Pode estar sentada em um café, embora soe um pouco burguês, mas um café me parece o cenário ideal para tais devaneios. O dono, e é sempre ele que atende, caminha até você e nesta hora você faz um gesto vago, sem parecer antipática ou coisa parecida, dando a entender que por enquanto não quer nada. Só ficar por ali e observar, um pouco. Só um pouco, ao menos por enquanto. Ele diz que tem pedir alguma coisa, não ligando para o seu silêncio e o seu ar de poeta sofredora com uma caneta bic com a tampa roída em uma mão eternamente suspensa. Você ainda tenta lançar um olhar que revele toda a amargura existente no seu coração enlevado, mas ele não liga muito e coloca o cardápio na sua frente.

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Talvez alguns poucos momentos de isolamento e nada mais será preciso. Já terá a medida certa para julgar-se um pouco melhor e talvez possa tecer opiniões menos preconceituosas. Também, pouco importa. Não capta muito bem a ordem atual dos acontecimentos, mas se mantém, ainda assim, atento, os olhos vidrados e a respiração compassada. Limpa o sangue em toda a volta e titubeia entre lavar a faca na pia e levá-la consigo embrulhada em um jornal que serve de forro para a cama da cachorrinha Pequetita. Pequetita se manteve quietinha o tempo todo, e, para falar a verdade, não parecia a melhor amiga do homem. Continua estática a um canto, não se importando nem mesmo quando tem seu jornal retirado de baixo de si. Sobe para o sofá e ensaia uma volta em torno para afofar o lugar antes de cair em sono profundo. As luvas! Não sabe o que fazer com as luvas... Olha o quadro sobre o armário e se encanta com a menina ruiva de muitas sardas. Será que é filha? Talvez se sinta só, mas por enquanto precisa achar detergente no armário embaixo da pia.