06 março 2003

SAUDADES SEMPRE

Todos os anos, ao final deste período de vagabundagem conhecido como Carnaval, surgem os comentários extremamente pertinentes de especialistas de plantão para dissecar e criticar o desfile das escolas de sambas ou para se lamentar por que "o carnaval não é mais como era antes". Saudosistas de uma época tão áurea quanto as costeletas de Elvis Presley, as colunas de críticos em diversos sites culturais pela internet se enchem de "ah, que tempo bom aquele em que se podia pular no salão e brincar vestido de marinheiro"; "meu Deus, que saudade da Cabeleira do Zezé!"; "Hoje o carnaval é só putaria! Não agüento mais ver essas siliconadas de peito de fora"; "...porque no meu tempo se podia pular o carnaval sem esta bandidagem e esta libertinagem que existem hoje nos bailes...", e por aí afora.

Enquanto um se compadece porque "os sambas enredos de hoje não são mais como as marchinhas de carnaval do João Roberto Kelly", o outro só falta enfiar um revólver na cabeça porque descobriu recentemente que as escolas de samba são patrocinadas por dinheiro do tráfico entre outras fontes não muito honradas que as ajudam a garantir um grande desfile.

Se falta assunto, melhor é não falar nada, realmente. Mas é necessário fazer valer a graninha que se recebe para escrever umas poucas e saudosistas linhas sobre "o carnaval de hoje". Parece tema de redação. Como não há mais originalidade alguma em comentar quantos mililitros de silicone tem nos peitos da rainha da bateria da Mocidade Primeira da Estação da Ilha da Mangueira, a ordem é criticar as histórias rocambolescas que os carnavalescos pesquisam para virar samba-enredo do tipo "A trupe cinqüentenária do guerreiro negro das terras africanas que conquistou o coração da filha do conquistador holandês nas terras do guaraparé". Cada um com seus problemas. Todo ano carnaval é a mesma coisa, e no entanto, os críticos do pós-carnaval não se encarregam de encontrar argumentos mais originais para comentários que virão com certeza, brindar nossos suplementos culturais.