01 abril 2003

DIA NÃO


Ramirez acordou mais cedo do que de costume e sentiu que a região na volta do seu pênis se encontrava molhada e pegajosa. Achando tratar-se de uma polução noturna, Ramirez levantou o lençol e gritou assustado quando viu seu púbis encharcado de sangue. No entanto, Ramirez não sentia dor nenhuma, e, sem que Nicole chegasse a se acordar, Ramirez levantou-se, levando consigo o lençol ensangüentando para dentro do banheiro. Em frente à pia, Ramirez tentou lavar sua região pubiana, mas o sangue já se encontrava em parte ressequido e puxava seus pentelhos cada vez que Ramirez fazia uma fricção mais acentuada. Ramirez limpou o quanto pode, o bastante para perceber que ele não tinha qualquer lesão que pudesse ter ocasionado tal derramamento de sangue. Só então, Ramirez se deu conta de ver se Nicole também se encontrava ensangüentada. Ramirez estranhou, já que tinha certeza de que não tinham transado na noite passada e não via motivos para aquela quantidade de sangue presa no seu pau. Ramirez virou Nicole, que dormia pelada e viu, horrorizado, que toda a parte da frente do seu corpo estava repleta de sangue, também, mas em quantidade absurdamente maior do que a dele. Nicole tinha sangue, como se tivesse sido pintado em grossas pinceladas, espalhado pelas suas pernas e coxas, bem como toda a extensão de seus braços. Sacudiu Nicole, apavorado, sem noção nenhuma do que aquilo significava. Conseguiu se acalmar um pouco quando Nicole se acordou e ficou olhando muito séria para Ramirez. Ramirez gritava o seu nome e Nicole, no entanto, permanecia muda, com a boca selada como se costurada estivesse. Os olhos muito arregalados, encaravam Ramirez como que num pedido de socorro silencioso. Ramirez perdeu a noção do que fazer. Continuava a olhar fixamente para o rosto de Nicole enquanto examinava o chão do quarto. Nicole parecia fazer força para abrir a boca e seu resultado era nulo. Ramirez achou poças secas de sangue pelo chão, espalhadas sistematicamente com intervalos dispostos em alguma espécie de ritmo que não conseguia identificar. Nicole não se levantava da cama e tudo o que conseguia fazer era encará-lo com aquele desespero mudo.


Ramirez correu até a mesa de cabeceira e viu que o telefone tinha sido arrancado da tomada. Foi até a sala, e notou que a fechadura se encontrava perfeitamente trancada, embora também envolta por uma camada de sangue que, agora seca, pingara intermitentemente no assoalho, formando uma espécie de hieróglifo. Ramirez bateu desesperado na porta, sem coragem de tocar na fechadura, mas ninguém se manifestou do outro lado. Quando voltava para o quarto, viu que os ponteiros do relógio da parede haviam sido arrancados. Na mesa ao lado de Nicole, o relógio digital teve seu display de vidro retirado. A televisão, que ele não deixara ligada, mostrava somente a tela repleta de amarelo. Nicole começava a rastejar ao seu encontro. Ramirez abriu a janela e tudo o que viu foi centenas de crianças e cabras andando pela rua. As cabras tinham a barbicha ensangüentada e deixavam um rastro vermelho pelo caminho enquanto se deixavam levar pelas crianças, amarradas pelo pescoço e puxadas pelos dedinhos pequenos das crianças que entoavam um estranho cântico, em uníssono. Ramirez sentiu a mão de Nicole puxando sua perna. Se abaixou até conseguir abraçá-la e foi sentado que ele escutou batidas na porta, seguidas por uma voz fina que falava que era a vez deles.