Do nomínimo:
O que lêem os presidentes
O último número da revista “New Yorker” traz uma boa gozação de Adam Gopnik com a lista de “leituras de verão” de George W. Bush, uma tradição americana tão forte que mesmo um dos presidentes mais notoriamente broncos a passar pela Casa Branca acha de bom tom não dispensá-la. A piada maior é que, brilhando na lista de Bush, aparece “O estrangeiro”, de Albert Camus.
E por que isso é engraçado? Bem, como se sabe, o narrador do maior clássico do existencialismo, Mersault, mata um árabe sem motivo – não, o sujeito não era acusado de esconder armas químicas no quintal. Entende-se o interesse do presidente americano, então? Claro que sim, mas apenas quando se leva em conta que listas desse tipo cumprem sobretudo um papel marqueteiro. Não é preciso que Bush leia Camus. Basta que ele diga que está lendo. E que depois agüente as gozações. Passada a zoeira, o que sobra é, por via das dúvidas, a imagem de um homem um pouco mais pensante do que imaginávamos – e se quisermos ser muito, muito crédulos, um verdadeiro estadista.
Estamos bem longe disso no Brasil. O colunista Ancelmo Góis, do “Globo”, publicou no último fim de semana uma boa nota em que os candidatos à presidência nomeavam seus livros de estimação. Heloísa Helena falou apaixonadamente de toda a obra de Graciliano Ramos. Geraldo Alckmin, fiel às suas raízes interioranas, foi de “Urupês”, de Monteiro Lobato. Cristovam Buarque preferiu ignorar a ficção e ficar com o pensamento econômico de Celso Furtado. Marketing ou não, tudo bonito.
Pena que Lula não tenha respondido. Algum assessor poderia ter citado, sei lá, “O estrangeiro”. Mas quem não sabe que a arte de Camus – ou, a propósito, qualquer livro – soaria ainda mais inconcebível na cabeceira do presidente brasileiro do que na do americano?
Publicado por Sérgio Rodrigues - 23/08/06 4:38 PM
O que lêem os presidentes
O último número da revista “New Yorker” traz uma boa gozação de Adam Gopnik com a lista de “leituras de verão” de George W. Bush, uma tradição americana tão forte que mesmo um dos presidentes mais notoriamente broncos a passar pela Casa Branca acha de bom tom não dispensá-la. A piada maior é que, brilhando na lista de Bush, aparece “O estrangeiro”, de Albert Camus.
E por que isso é engraçado? Bem, como se sabe, o narrador do maior clássico do existencialismo, Mersault, mata um árabe sem motivo – não, o sujeito não era acusado de esconder armas químicas no quintal. Entende-se o interesse do presidente americano, então? Claro que sim, mas apenas quando se leva em conta que listas desse tipo cumprem sobretudo um papel marqueteiro. Não é preciso que Bush leia Camus. Basta que ele diga que está lendo. E que depois agüente as gozações. Passada a zoeira, o que sobra é, por via das dúvidas, a imagem de um homem um pouco mais pensante do que imaginávamos – e se quisermos ser muito, muito crédulos, um verdadeiro estadista.
Estamos bem longe disso no Brasil. O colunista Ancelmo Góis, do “Globo”, publicou no último fim de semana uma boa nota em que os candidatos à presidência nomeavam seus livros de estimação. Heloísa Helena falou apaixonadamente de toda a obra de Graciliano Ramos. Geraldo Alckmin, fiel às suas raízes interioranas, foi de “Urupês”, de Monteiro Lobato. Cristovam Buarque preferiu ignorar a ficção e ficar com o pensamento econômico de Celso Furtado. Marketing ou não, tudo bonito.
Pena que Lula não tenha respondido. Algum assessor poderia ter citado, sei lá, “O estrangeiro”. Mas quem não sabe que a arte de Camus – ou, a propósito, qualquer livro – soaria ainda mais inconcebível na cabeceira do presidente brasileiro do que na do americano?
Publicado por Sérgio Rodrigues - 23/08/06 4:38 PM