21 fevereiro 2007

Carnaval e acordeona


Do lado de cá a terra é de gaudérios, bombacha e acordeona. De dançar chula no pau e chimarrita com a prenda do lado. Lá em cima, onde a cidade é maravilhosa, as morenas cheias de graça passam no doce balanço a caminho do mar e o carnaval encontra pouso e expressão que lhe asseguram o posto de oitava maravilha do mundo, pouco se sabe que em épocas de fevereiro o gaúcho também vai saracotear sob o batuque da folia de Momo. Em Porto Alegre, onde o mar está longe demais para ser cidade litorânea, mas o rio - que é é lago - Guaíba, nos enche da sensação de que para cidade-concreto Porto Alegre não serve (e afinal, qualquer horinha de viagem e se está ali em Imbé...), carnaval também é festa do povo, talvez muito mais povo do que no Rio. Porque na capital gaúcha, carnaval não é mainstream, não impulsiona o turismo e não traz centenas de alemães para lotar nossos hotéis. Na real e valorosa cidade, carnaval é folia irregular, tosca e longe da profissionalização. É expressão popular não-patrocinada por bicheiros (ainda que o dinheiro lhe entre com a duvidosa e questionável origem), não-adorada pela elite e que apetece somente à quem é C, quem é D, quem é E. Em Porto Alegre, o sambódromo é um reduto escondido nos extremos da zona norte, lugar ermo e distante o suficiente para não emporcalhar e causar "ajuntamento" nas cercanias do centro e da zona zul. É uma sesmaria ofertada ao povão para escorraçá-lo das voltas do Parque Marinha do Brasil (terreno exclusivo da cultura gaúcha "típica": aquela que envolve pilcha e espora nas botas): afinal era ali que "o povão" andava de olho gordo, querendo um naco do popular parque porto alegrense para tacar-lhe uma pista de eventos... Antes que fosse tarde demais, no entanto, o equilíbrio se fez – se tocou a tigrada pros lados do Porto Seco (zona de caminhoneiros, prostituição infantil e papeleiros) e a elite gaudéria dormiu feliz. Afinal, quem quer a balbúrdia marrom pros lados da zona nobre? Que se deixem os ridículos carros alegóricos, os ébrios foliões e toda esta fauna não civilizada carnavalesca lá, bem longe, quase onde não é Porto Alegre. Neste nosso quase-país de linguajar diferente, de vestimentas próprias, de costumes únicos, entidades como Bambas da Orgia, Estado Maior da Restinga, Imperadores do Samba são corpo estranho (e pouco conhecidos do restante do Brasil). Afinal, o que vale são as festas que homenageiam as bravas lutas farroupilhas e missioneiras; o toque da gaita, o ritmo do chamamé. O resto é exotismo.