17 setembro 2008

Finite Wallace

Publicado no Paralelos Blog


A pessoa assim chamada de "psicoticamente deprimida" que tenta se matar não o faz a partir de uma "falta de esperança" ou qualquer convicção abstrata de que as perdas e os ganhos da vida não terminam empatados. E com certeza não é porque a morte parece repentinamente atraente. A pessoa em quem a sua invisível agonia atinge um certo ponto insuportável se matará da mesma maneira que uma pessoa eventualmente pulará da janela de um arranha-céus em chama. Não se engane quanto as pessoas que pulam de janelas em chamas. O seu medo de cair de uma grande altura ainda é tão grande quanto se fosse eu ou tu parados, olhando da mesma janela, conferindo a vista; i.e. o medo de cair permanece igual. A variável aqui é o outro terror, o medo do fogo: quando as chamas chegam perto demais, pular da janela e cair até a morte se torna o menos terrível dos dois terrores. Não é que você deseje cair; é o medo do fogo. E ainda assim, ninguém na calçada, olhando pra cima e gritando "Não pule", "Aguente firme!", consegue entender o pulo. Não mesmo. Você teria que estar pessoalmente preso em um prédio em chamas e ter sentido o fogo para poder realmente entender um terror muito maior do que pular e cair.

De um amigo meu que traduziu alguns trechos de Infinite Jest, de David Foster Wallace, que se matou nesta sexta-feira, enforcado em sua casa. Seu único livro lançado no Brasil é o volume de contos Breves Entrevistas com Homens Insanos, que eu acho sensacional por motivos que merecem ser explanados em um post específico. Farei isto em outro momento. Aqui, o Los Angeles Times disponibilizou uma página que reúne algumas entrevistas de Wallace encontráveis no YouTube. O que eu nunca me esqueço é de um comentário do
New York Times, que o definiu como "um dos grandes talentos de sua geração, um virtuose que parece capaz de fazer qualquer coisa".

No mundo, o livro que alçou o autor à sensação pop, o responsável por sua legião de seguidores fiéis é, no entanto, Infinite Jest, um catatau de mais de mil páginas que, por motivos óbvios, considerando o nosso mercado, ainda não vê a menor perspectiva de ser traduzido para uma edição nacional (talvez agora seja um momento bastante propício. Em mais de um volume, talvez? Sei que Daniel Galera e Pellizzari se alegrariam deveras em encarar este trabalho). Na opinião de alguns, a densidade do calhamaço se deve à inexistência de um bom editor para podá-lo. Acho gratuito: a praia de Wallace era outra, de preciosismo, detalhismo , mas com total poder sobre isto. Lendo seus contos isto fica muito claro. Sua eloqüência literária é fruto de um estilo que, entre outros muitos, foi o responsável por seus admiradores.

Enfim.

O que resta é que, com a morte do escritor, o que não faltarão são motivos para que seus seguidores aumentem, bem como possibilidades de discussão acerca da sua obra.