18 setembro 2008

Sambarock, burguesinhas e protesto social

Publicado no Paralelos Blog



A noite começou com Samba Rock, levantando geral a platéia do Teatro do Bourbon Country. Mãozinhas para o alto, gritinhos entusiasmados: o cenário estava montado. Trabalhador, hit certeiro e próxima do set list, ancorado por trilha de novela das oito, não podia ser diferente. As entusiasmadas cantavam junto no meu ouvido (só o refrão, é lógico, porque o resto da letra não sabiam - grande demais...), sedentas do balanço repleto de suingue do Seu Jorge.

O show em Porto Alegre da turnê América Brasil, à exemplo do anterior, antecipava o esperado em vários momentos: ingressos praticamente esgotados, casa lotada. Como dar errado? O apanhado das diversas vertentes da música negra com que seu Jorge faz o sucesso do seu repertório é praticamente à prova de reprovação. Ali estão alinhados o bom e velho sambarock, reggae e muita pegada funk. O samba, no sentido mais tradicional do gênero, é outro que encontra morada nas suas canções, repletas da malandragem carioca e de um lirismo que faz a alegria dos hoje seus fãs. E quem são eles? Com certeza são os que recebem com um certo estranhamento a crítica social contida em uma música como A Carne ("A carne mais barata do mercado é a carne negra..."). Seu Jorge se esforça em manter uma certa contundência social em meio a seus hits balanceados. Mas como importunar uma burguesia que paga cem mangos para o seu show? Cantando Burguesinha é que não é. As patrícias se reconhecem, felizes e, numa faceirice só, sacodem os cabelos chapinhados berrando, ensandecidas "(...) na casa de praia/só gastando grana/na maior gandaia/sai pra balada dançar bate-estaca com a sua tribo, até de madrugada". Em um momento mais intimista, quando a banda, excelente, dá lugar à versão voz e violão, Seu Jorge emenda Negro Drama dos Racionais logo depois de Zé do Caroço, um samba já clássico de Leci Brandão que conta a história do nascimento de um líder de favela. Entre uma e outra, Seu Jorge rascunha sua crítica social, falando da importância do estudo para "ser alguém". Frisa que é importante que as pessoas que têm oportunidade pra estudar, agradeçam por isto.

O discurso de Seu Jorge é válido, extremamente honesto e sincero, mas parece encontrar pouca ressonância em um ambiente como aquele. É claro que os aplausos são entusiasmados, os gritos de apoio são muitos, mas a sensação que fica é que entra por um ouvido e sai por outro. É que, francamente, Seu Jorge alçou uma posição musical em que seu público é formado pela mesma elite que, dificilmente, se compadece com problemas que estão muito distantes do conforto de seus bólidos com ar-condicionado. Ele está tocando em um dos mais modernos teatros de Porto Alegre, com valores de ingresso que inibem a mais tênue vontade de um admirador humilde. É ator, compositor e cantor adorado pela crítica estrangeira, cool ao extremo, garoto-propanda da cachaça Sagatiba e adotado aqui pelas mesmas burguesinhas que canta em sua música. Elas não estão ali pra receber lição de compromentimento social, mas para enlouquecer ao som do balanço de canções como São Gonça (herança do sensacional Farofa Carioca), Mina do Condomínio e, claro, Carolina.

E nisto, Seu Jorge é fera. Embora na última eu tenha notado bastante em suas últimas apresentações um forte ranço irônico na forma preguiçosa e quase automática com que tem interpretado o sucesso que o alçou à condição em que se encontra. O andamento da música já não é mais aquele repleto de entusiasmo dos bailes de gafieira - embora o dos seus músicos o seja. Músicos, aliás, que deram shows em diversos momentos solo, como uma tríade de excelentes percusionistas esmirilhando nos pandeiros.

Mas enfim. É noite de diversão, e isto não faltou. América Brasil, o disco, não foi cantado de cabo à rabo, mas dali foram pinçados todos os maiores sucessos. Seu Jorge empresta alguns hits de outros artistas, como Ben Jor e até sambas-enredo, pra terminar a noite em alta, com todos sentindo-se recompensados pelo privilégio de poder desfrutar do show sensacional deste, hoje, artista do mundo.