12 janeiro 2009

Band à part

Apesar de cinéfilo, sou bem defasado em relação aos clássicos, aqueles que todos devem ver e blá, blá, blá, etc. No entanto, à medida que posso, vou me redimindo, alugando umas coisinhas aqui e ali, comprando outras coisinhas aqui e ali e baixando umas outras perolazinhas aqui e acolá. Agora é a vez de Band à Part (França, 1964) que, mesmo sendo considerado o filme mais acessível de Godard, é indiscutivelmente um clássico (e é lógico que ainda é bem cedo pra eu me bandear para as outras maluquices que o diretor já andou fazendo). Consta que uma vez, a crítica de cinema Amy Taubin, da revista nova-iorquina Village Voice, escreveu que Band à Part é “um filme de Godard indicado para pessoas que não gostam de Godard”. Como não vi nada do diretor, além do supracitado filme, não posso corroborar esta afirmativa. Só posso dizer quer assistir a este filme foi uma bela experiência, por desfrutar de cenas antológicas da sétima arte e, independente delas, ou por elas, de um filme delicioso, leve e cheio de frescor.

Sobre o filme, sei que foi filmado durante um período curto de 25 dias, apertado entre produções de dois projetos bem mais caros do diretor. Isto não impediu que o mesmo se tornasse o clássico que é, ainda que subestimado exatamente por seu autor, que considera sua obra menor. Também não impediu que o filme mantivesse os experimentalismos que são marca registrada de Godard – ainda que, é claro, em uma proporção bem mais reduzida.

Adorado por Tarantino que, não por acaso, batizou sua produtora com o nome de A Band Apart, o filme em questão mantém o princípio de Godard de introduzir elementos metalingüísticos na narrativa, sempre lembrando a platéia de que ela estava vendo um filme. Um exemplo disto é uma literal cena de um minuto de silêncio, em que simplesmente todos os sons (trilha sonora, etc) são eliminados abruptamente, abolindo por completo o realismo da cena: na verdade, são 36 segundos, como podemos ver aqui.

Godard se utiliza constante de expedientes deste gênero para jogar na cara do espectador que ele está assistindo a uma obra de ficção.

Além desta, existe em Band à Part outras cenas que se utilizam de truques de edição sonora para pôr por terra a idéia do naturalismo – um acontecimento para o cinema comercial da época. Em determinado momento, Franz (Sami Frey) finge atirar contra o amigo Arthur (Claude Brasseur), imitando momentos clássicos dos filmes de gângster pelos quais Godard era apaixonado, e usando o dedo indicador como se fosse um revólver. Godard incluiu aí o som de um disparo real na seqüência, uma tremenda ousadia para a época. Os dois personagens também assobiam a melodia principal da trilha sonora. O momento mais emblemático, pelo qual o filme é constantemente lembrando, no entanto, é o em que Franz e Arthur, mais a Odille, personagem de Anna Karina (então namorada de Godard na época), dançam em um bar. Interrompendo constantemente a trilha sonoro, temos uma narrador onipresente, que descreve, de maneira irônica, os sentimentos dos três personagens durante a cena, realmente intrometendo-se ao realismo da cena, dialogando diretamente com o espectador. A seqüência de dança foi inspiração para Tarantino em Pulp Fiction (1994), na cena de Uma Thurman e John Travolta. Outra cena que serviu de inspiração, desta vez para Bernardo Bertolucci em Os sonhadores, é aquela em que o trio atravessa correndo o Museu do Louvre.

Quanto à narrativa, é simples: os dois jovens planejam roubar a casa onde a personagem de Anna Karina trabalha e mora. Não são ladrões profissionais e não dão a mínima para o dinheiro – todo o processo é uma tentativa de vivenciar emoções para espantar o tédio em que vivem: aqui, o comportamento hedonista é um motivador grande neste filme, ainda que não de maneira negativa. Mais do que a narrativa, o que importante neste filme é seu estilo, sempre sabotando com convenções, esclarecendo os pensamentos e intenções dos personagens, deixando muito claro para o espectador que tudo se trata, afinal de contas, de uma farsa.