Ele vai chegar cedo pela manhã e entornar uma lata de coca-cola - das pequenas, estas que se vendem pelo preço sugerido de um real - e mais algum salgado frito no impiedoso óleo de gorduras saturadas. Ele não vai se importar e nem lembrar de, há pouco tempo, ter sido semi-bem sucedido em uma dieta não tão rigorosa que lhe extirpou alguns quilos da glútea banha que lhe adorna os contornos do abdômem, compondo bizarra pochete de volta inteira.
Ainda pela manhã eles farão piada sobre os últimos e-mails bizarros que rondam todas as caixas em todas as repartições onde não existe sistema anti-spam para dar cabo daquelas grosserias virtuais. E eles verão o e-mail do sujeito que se rebentou em um imprudente acidente de trânsito; vão olhar as fotos de esguelha, com asco o suficiente para não parecerem carniceiros sem sensibilidade. Da rua se ouvirá as risadas nervosas do seu Ataíde, responsável pelo almoxarifado e que estará vendo o mesmo e-mail, sozinho.
Antes da hora do almoço, o office-boy vai se masturbar no banheiro pensando nas coxas da analista de sistema - tão gostosa ela, Soraia, na leveza daquele vestido de malha que lhe gruda ao corpo conforme os folículos por onde gotejam seus suores alcançam índice de vazão em quantidade demasiada para o parco sistema de refrigeração daquela sala. Mas que diabos, deve ter sido o Maícon quem deixou novamente a janela aberta. Quando seu Eli adentrar à sala repentinamente, como sempre gosta de fazer, Soraia irá se retesar em sua cadeira e continuar a dedilhar os números e códigos que, até o final da semana, devem resolver o problema da intranet deficitária.
Enquanto caminha em frente à repartição, Eduardo irá apertar os dedos de Marcela só um tanto mais forte. Por que acaba de cruzar por eles a moça com o carrinho de bebê e - não que seja algum tipo de pressão, na verdade vai ser um ato inconsciente - Eduardo se sentirá emocionado e já antevê um novo jantar para tentar convencer Marcela de que sim, chegou a hora.
Mariano vai caiar o meio-fio de maneira displicente, esperando o tempo necessário para que aquele casal cruze a rua. Amaldiçoará mais uma vez o estado de suas mãos, ressecadas pelo contato com a cal e fará outra anotação mental para se inscrever no concurso público para servente da escola aquela, perto de casa. Antes de mergulhar a brocha no balde, vai mirar com olhos gulosos a menina que aperta o botão para atravessar na faixa de segurança.
A semana parecerá comprida demais, os tediosos barrigudos de gravata larga irão comentar pela enésima vez quão quente está, os taxistas vai dizer que sim, o ar-condicionado está estragado, abre a janela que fica melhor, a ascensorista não vai terminar a palavra-cruzada categoria fácil porque não lembra que o sobrenome do Paulo Cuoco é Cuoco, Ana vai querer fazer sexo novamente e Celso vai preferir tatinha_safada17 antes de desligar o computador e estar com sono demais, a velha Tônia vai ligar para o número errado e pedir pelo Andrade, alguém fará um trocadilho e um outro desistirá de correr depois do trabalho, pelo menos três ou cinco, só naquela quadra irão se sentir felizardos pela quantidade de seguidores virtuais, um paquistanês de 17 ou 20 irá contra-atacar com um código de script que vai revolucionar a web por uns cinco dias, dois filósofos acharão a vida superficial demais, ninguém vai ficar tão mais rico assim, mas os gráficos da bolsa vão ser animadores, o algodão doce vai derreter e naquela quitanda que nem é tão grande, a Tatiele vai gritar pela mãe, que compra detergente do outro lado do corredor.