29 maio 2010

Outro lugar

O distanciamento que a sensação de não-pertencimento permite talvez seja um dos momentos mais singulares e proveitosos - e muitas vezes mais subestimados - que existe. Há uma acomodação em se fixar em um mesmo lugar que vai além do óbvio estancamento físico. Há a segurança dos mesmos passeios, o conforto dos mesmos hábitos e atitudes. Um quantidade de fatores que me parecem ser ainda mais amplos que a dimensão do que chamamos cotidiano, termo a que nos apegamos para justificar a invariabilidade dos dias.

Se ser parte de algo é condição que origina e justifica convenções e princípios sociais tais como tribos, associações, religiões, seitas, partidos, clubes de mães e quetais, também é verdade que o deslocamento do que é sempre conhecido, o trânsito, ainda que fugaz, e a imersão no território desconhecido são condições que permitem aguçar o olhar exatamente sobre aquilo o que, costumeiramente, é comezinho, lugar-comum.

Um começo bastante prolixo pra justificar o fato de que, tardiamente, estou aprendendo a valorizar o que para muitos é necessidade absoluta e para mim, durante bastante tempo, não chegou a significar algo importante: viajar. E não me refiro - ainda - ao descobrimento dos pontos e locais obviamente turísticos (ainda que não os esteja eliminando e ainda que também façam e possam fazer parte da experiência proveitosa do deslocamento, que não está fundamentada na primazia estética ou de atrações do lugar). Descubro, e me deslumbro com isto, somente com o fato de estar em outro lugar. E acho até que o fato de não estar neste outro lugar com as intenções do turista, que se maravilha e é forçado a fazer parte do roteiro de atrações determinadas que esta condição impõe, é um ponto positivo no meu processo de olhar e valorizar um outro lugar com o significado e importância que isto tem.

Em uma outra cidade qualquer, em um outro lugar que não é meu, longe da minha falsa sensação de tudo conheço, que é tedioso o que é comum (e que me obriga, muitas vezes, em minha própria cidade, a procurar aquela atração/local/atividade inesperada ou ainda não vivenciada), tudo é novo. E são novos - e isto é mais rico e interessante - os atos e pessoas e coisas costumeiras. Que, claro, muitas vezes existem em minha cidade, no "meu lugar". Mas é claro que lá, no "meu lugar", eles surgem sob o verniz da minha pretensão de tudo saber como funciona e do julgamento tôsco de que seu fator interessante já é nulo, quando não inexistente. Cada vez mais me fascina - mesmo que seja somente para endireitar minha presunção torta - descobrir e me fascinar em outros lugares com aquilo o que deveria ser valorizado em qualquer lugar.