Um estudante que sabe a lista de todos os astros
de Hollywood que se suicidaram. Um cachorro baleado com uma arma que deveria
ser de espoleta. Um casaco curto de cetim preto, com gola de arminho, que
pertencera a Marilyn Monroe (e que é roubado de uma festa na casa do chefe de
departamento de uma universidade). Um escritor com excesso de criatividade que
tem um caso com a esposa do chefe de departamento da universidade. Um livro de
um escritor com excesso de criatividade, que já alcança as duas mil, seiscentas
e onze páginas datilografadas, e ainda sem previsão de chegar ao final.
Isto está muito longe de ser o resumo de Garotos
Incríveis (Record, 2000, 333 páginas).
Mas perder algumas horas mesmo somente folheando este, que é o segundo romance
na carreira do norte-americano Michael Chabon (que ganharia o Pulitzer
pelo seu romance seguinte, As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay),
garante exatamente isto: que se ache trechos ao acaso tão completamente
inacreditáveis e deliciosamente engraçados, capazes de obliterar mesmo a
sinopse oficial. E ela — a sinopse oficial — nos dirá que Gady Tripp, o
escritor de meia-idade protagonista deste romance, vive da fama conquistada na
juventude, quando seus primeiros livros o consagraram. No período do romance,
ele está há mais de sete anos preso no emaranhado de prédios belos e miseráveis
para construir, crianças inocentes para matar com febre reunática, ruas às
quais dar nome e tantos outros detalhes que fazem de Wonder Boys (o seu
romance) aquele mamute inacabável. E é este livro que Tripp tenta esconder de
Terry Crabtree, seu editor em visita à cidade, ansioso por colocar as mãos no
próximo e esperado novo origial de seu autor prodígio. Não tardará, porém, para
Crabtree preferir colocar as mãos no jovem James Leer — aquele estudante
fascinado com os suicídios de Hollywood. Junte estes três aos personagens
apontados lá em cima, mais Hannah, a estudante apaixonada por Tripp, um
travesti pouco convincente e um fim de semana repleto de maconha e você terá
uma noção bastante aproximada do que é este romance.
Com uma saga destas, não
espanta que já conte com sua adaptação cinematográfica, dirigido por Curtis Hanson
e estrelado por Michael Douglas, Tobey Maguire e Robert Downey Jr. Com trilha
sonora de Bob Dylan, o filme é tão imperdível quanto o livro, nesta odisséia
por ruas, bares e casas de Pittsburgh. E é uma nativa de Pittsburgh, a Iron
City Beer, que dá as caras neste exato momento:
“Acenei
para Hannah, que sorriu para mim, e quando olhei em volta e dei de ombros
exageradamente, ela apontou para uma mesa no canto mais distante, longe dos
dançarinos, do palco e de todos os outros clientes. Na mesa estavam sentados
Crabtree e James Leer, atrás de um horizonte louco e comprido de garrafas de Iron
City. James estava caído na cadeira, a cabeça inclinada contra a parede,
olhos fechados. Parecia quase como se estivesse dormindo. Já Crabtree olhava
para as pessoas que dançavam, ou para além delas, com uma expressão de
concentração feliz. Seu braço estava estendido para baixo e para longe do
corpo, num ângulo delicado, como se estivesse para escolher um bombom numa
bandeja. Mas a mão estava em evidência, desaparecera sob a mesa, nas
vizinhanças do colo de James Leer.”
Nascida em 1861, a Iron City
foi a primeira cerveja da Pittsburgh
Brewing Company (ou Iron City Brewing Company). Obra de um alemão imigrante
chamado Edward Frauenheim, que fez a cerveja tornar-se reconhecida logo nos
seus primeiros cinco anos. Mesmo a proibição, em 1920, que fechou muitas
destilarias e cervejarias, não foi suficiente para por fim ao sucesso da Iron
City. Sua produção foi retomada — ainda que tenha sido fundida à outra
cervejaria, a Bond Brewing Holdings Ltda., e também passado por um processo de
falência — e o nome original da fábrica, Iron City Brewing Company,
restaurado, produzindo uma série de outros rótulos. Sua maior marca é a garrafa
de alumínio, com três vezes mais material que as latas comuns, garantindo uma
cerveja gelada por mais tempo, além de ser mais leve que o vidro.
Tão lendária quanto a cidade onde tem origem, a
Iron City é reconhecida como uma das melhores cervejas lager fabricadas nos
Estados Unidos. É difícil imaginar um jogo de futebol, baseball ou hóquei onde
ela não esteja presente. E como boa nativa, é claro que ela também habita o bar
jazz Hi-Hat, que com seu Steinway de cauda, bar luminoso com refletores
cor-de-rosa — pronta para tornar o fim de semana de Grady Tripp e sua trupe
ainda ébrio e caótico.
Publicado originalmente na HNB Mag.