A busca da própria identidade através de uma viagem (a ideia, talvez romântica, de buscar o seu "outro", presente no lugar visitado), é território temático bastante explorado. Já presenciamos esta busca na literatura e no cinema. Mas no momento em que compreender a si mesmo implica em descobrir sobre outra figura que se julgava conhecer — ou se deveria —, esta busca ganha contornos que podem ser ainda mais surpreendentes do que achar a si mesmo.
É usando a viagem como o elemento propulsor de reconstrução de identidade que se constrói a trama de As Mulheres de Meu Pai. Neste romance de 2007 do angolano José Eduardo Agualusa, a identidade buscada pelo protagonista não é a sua, mas a de seu pai. É este homem que, para a protagonista — a cineasta moçambicana Laurentina — é só um pacato burocrata lusitano, que estabelece a necessidade de imersão nesta viagem, na qual ela irá descobrir sua real identidade: a de um músico não só famoso pelo seu talento, mas pelas sete viúvas e dezoito filhos que deixou após sua morte. Desvendar as camadas que este novo "personagem" lhe apresenta, já se mostra tarefa estranha ao ler os anúncios obituários que seus filhos e viúvas lhe renderam no Jornal de Angola:
"'Pecado é não amar. Pecado maior é não amar até o fim do amor. Não me arrependo de nada, Tino, meu seripipi. Repousa em paz.'
No último anúncio, o meu pai posa para a posteridade, no vigor dos seus trinta anos, sentado à mesa de um bar. Diante dele tem uma garrafa de cerveja. Distingue-se o rótulo: Cuca. Enquanto escrevo estas notas também eu bebo uma Cuca. É boa, muito leve e fresca. Releio o texto:
'Pai querido, abraça a mãe quando a encontrares. Leopoldina esperou tanto por esse abraço. Diz-lhe que os filhos dela, os vossos filhos, sofrem de saudades, (...)'".
Ao buscar este homem, diferente do que conheceu, Laurentina empreende uma viagem pelos países que Faustino Manso, o pai, percorreu: Angola, Namíbia, África do Sul e Moçambique. No projeto de reconstrução da identidade de Faustino, ela conversa com as mais diversas pessoas, desvendando uma teia que, ao mesmo tempo em que remonta a trajetória de seu pai, constrói um corolário de sentimentos, música, gastronomia, raízes, memória histórica — uma dimensão realista e generosa, potencializada pelo mosaico de vozes que compõem o livro. O romance, construído como uma espécie de diário, apresenta diversos personagens dando sua visão dos acontecimentos. Além disso, Agualusa apresenta dois níveis de narrativas interligados: um em que transita Laurentina, enquanto em outro se projeta o próprio autor, em uma viagem para fins de construção de um documentário, a partir do qual a ficção de um músico excepcional e de sua filha perdida – Laurentina – seria criada. É a metalinguística do processo de invenção literária nesta bela obra do premiado escritor.
Nesta teia desvendada pela protagonista, quando o autor demarca os territórios a partir de sua construção cultural, aparece a famosa cerveja Cuca. A mais conhecida cerveja de Angola nasceu em 1947, e seu nome significa Companhia União Cervejas de Angola. A cerveja, que, em 1976 foi confiscada pelo Governo e nacionalizada, pertence desde 1992 ao grupo francês Castel Cuca BGI, que tem uma forte implantação na África e é proprietária de outras importantes marcas, como a histórica cerveja luandense Nocal (cujas origens remontam a 1958 e é, hoje, a segunda grande marca do grupo), as internacionais Eca, 33 Export, a Castel e a Doppe Munich.
Seja em termos de notoriedade ou de vendas, a Cuca é a preferida dos angolanos, com seus mais de 48% do mercado. Esta pale lager é conhecida por seu sabor frutado e adocicado, com um amargor suave que só viceja no final. Cerveja de fabricação e distribuição maciça (o grupo também detém a marca Skol para Angola), obviamente a Cuca não se distingue como premium, com sua estratégia de expansão agressiva, com entrada recente em mercados como Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Namíbia e Portugal. O certo é que, ao crescer e espalhar-se por outros territórios, a Cuca — assim como Laurentina e Faustino Manso — reconstroi um pouco de sua identidade a partir dos diversos territórios que passa a habitar. Mas (e aí está o segredo de toda marca de valor), não perde suas raízes, valorizando e difundindo seu local de nascimento, pois ali mora seu verdadeiro "eu". Uma estratégia que, não por acaso, fez-se questão de estampar em suas orgulhosas peças publicitárias: "Patrimônio de Angola."