22 março 2015

De Santo Domingo a New Jersey

Qualquer busca sobre A fantástica vida breve de Oscar Wao (Editora Record, 332 páginas, 2009) apresenta o livro como a saga de um protagonista nerd ao extremo, terrivelmente obeso, afundado em um universo de ficção científica e que sonha em ser o Tolkien Latino. A própria orelha do livro o vende assim — um sujeito inadequado que jamais realizará seus desejos. Tudo escrito com "humor original e ternura". Talvez seja a estratégia para tornar o livro mais comercial, mas a verdade é que há muito mais, o que justifica ter sido considerado um dos melhores livros de 2008, ganhador do Pulitzer, do National Book Critics, entre outros importantes prêmios.


Somente a história de um filho de dominicanos, nascido nos Estados Unidos, que não se encaixa no estereótipo de macho alfa frequentemente associado aos seus conterrâneos já seria interessante no tratamento de um escritor hábil. O fato é que, mais do que isto, Junot Diaz, o autor — também dominicano — consegue construir a saga de uma família dominicana desde a época de Trujillo (general que comendou a República Dominicana de 1930 a 1961), até o fim dos anos 90. Para apresentar esta saga e construir um rico retrato da comunidade dominicana nos Estados Unidos, Diaz dá voz a uma gama de personagens. Afinal, para falar de Oscar, é preciso falar de sua irmã, de sua mãe, avós, desenterrando demônios do passado.

O autor, Junot Díaz.

Dosando com precisão esta mescla de amargura e humor, o romance desperta um sentimento agridoce. É painel intenso que dá voz aos imigrantes, com suas expressões fartas em espanhol e escarafunchando lembranças dolorosas. Imagine contrapor tudo isto a porções fartas de namedropping nerd: livros, jogos, filmes, quadrinhos, séries. Tudo está nomeado e assinalado para marcar as influências que tornaram a infância, adolescência e idade de adulta de Oscar praticamente insuportáveis, em humilhação e inadequação.



Com escrita ágil e envolvente, Junot Diaz apresenta com propriedade o gueto de Nova Jersey, tomado por latinos (e a rusga de dominicanos VS. porto-riquenhos garante outros momentos de humor) e uma República Dominicana que, por mais dolorosa que se apresente, pelas lembranças de repressão evocadas, pinta-se num quadro tão bem descrito, que o que fica é a vontade de conhecer além das páginas.


Publicado originalmente na revista da Have a Nice Beer.