18 setembro 2002

De telefonemas e agonias

Se fosse tudo uma questão de se manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo, talvez eu não ficasse tão atucanado cada vez que ela demorasse um dia inteiro para me ligar. Ainda que houvesse mil pedidos de desculpas, mil motivos extremamente justificáveis para o seu telefonema ter demorado a vir, eu já havia sofrido por antemão. E é como diz o velho ditado: a flecha lançada, a palavra falada e o leite derramado são irreversíveis: o estrago já estava feito.


Muito embora, eu também pudesse me dar conta, conscientemente, desta minha característica extremamente insegura e ciumenta, e já me mantivesse mais ou menos calmo, sem me desesperar ou aparentar aquele nervosismo pulsante que, então, me caracteriza cada vez que ocorre esta demora. Mas o que fazer? Dizem que só se vive verdadeiramente quando nos apaixonamos de verdade, e, se apaixonar-se é doar-se totalmente, doar-se é não ter medo de ter ciúme, ou vergonha disto, nem ter vergonha de achar que seu dia não foi suficientemente feliz por que o telefone dela não veio. Tudo bem, sei que nossa felicidade não deve estar nas mãos de uma pessoa, e que não devemos achar que somente esta pessoa poderá nos fazer feliz, mas a verdade também é que é inegável que sempre há alguma pessoa que dá uma grande contribuição para a nossa felicidade.


Esta pessoa (ou estas, no caso dos insaciáveis ou adeptos do ménage à troir, à quatre, à cinq...) normalmente se diversifica de acordo com nossa idade, afinal, com algumas variáveis, durante toda a infância, e começo de nossa adolescência, nossos pais são perfeitos e nos bastam, e nada mais do que seu amor é preciso para nos fazer feliz. Vide aqueles que não são filhos únicos, a disputa constante do carinho e atenção de nossos progenitores sempre ocupou grande parte de nossas manhãs, tardes e noites, em um espaço entre o lanche com toddy (“porque você o serviu primeiro?”) e o jogo de videogame. E o beijo da mãe que não vinha, ou presente do pai para o irmão ocuparam nossas imberbes noites de tristeza, na certeza de que não éramos mais amados ou que éramos menos que o nosso irmão.


No decorrer da vida, essa necessidade do amor de outrem continua se mantendo e só muda de personagem, quase sempre acabando por se depositar naquele ente que – no momento, ou eternamente – escolhemos para apossar-se de nosso coração. E quem escolhe? Eu nunca escolhi. A coisa sempre fluiu ao natural, de uma maneira ou outra, e, quando vimos, já nos tornamos escravos sentimentais daquela guria – ou daquele guri – com quem trocamos beijos, abraços e outras intimidades, conforme o tempo passa, e conforme mais desta pessoa nos sentimos. E, se julgamos esta pessoa fiel depositária de nossos sentimentos, também nos julgamos no direito de sentirmo-nos protegidos, assegurados e seguros, e, se para sentir isto, é o seu telefonema que nos completará, nada mais justo do que esperar ansiosos por ele. Mas ele não vem. E quem foi que disse que viver é fácil?