26 agosto 2005

Agora a pouco, e não faz nem dez minutos, sério, um velho me olhou demoradamente e eu pensei por um instante que ele fosse me pedir comida ou algo assim. Na pior das hipóteses, que lhe conseguisse alguns trocados por que tinha que voltar para Viamão - e eles sempre têm que voltar para Viamão. Eu demorei alguns instantes sobre o olhar do velho que me inquiriu demoradamente só com o olhar, antes de verbalizar a indagação que não tinha a menor idéia que lhe viesse à boca. Não sei se ele hesitou um instante ou se a primeira palavra dita assim, como quem vai formular uma teoria absolutamente revolucionária sobre o assunto, foi solta propositalmente. Sei que ele murmurou, olhando no fundo dos meus olhinhos castanhos: "Felicidade..." e continou, "Você acha que é feliz?". Eu pensei, pronto, um fundamentalista para me falar das coisas lindas que estão guardadas para mim no reino dos céus ou me convencer da lógica da iluminação racional. Poderia responder pro velho um simples "sim", ou "não", mas - por um destes mistérios universais que nos fazem crer que conceder alguns instantes a alguém que não conhecemos e, ainda que venha com perguntas pouco usuais a serem feitas a um desconhecido, na frente de um bar, não chega a ser o maior dos esforços que podemos fazer no mundo - me detive por um instante e pensei sobre minha resposta. Acabei lhe falando que estou convencido que a felicidade não possui esta permanência que me permitisse a resposta mais não-titubeante do mundo, como quem diz "sim, sou negro", ou "não, odeio Ginger Rogers". Divaguei um tanto, confesso, até um tanto demais para um velho que, no final das contas, parecia esperar a resposta mais simples possível (para me oferecer a receita da felicidade? para me dizer que a felicidade é um utopia?, enfim...) e lhe contei dos instantes, lampejos de felicidade com as coisas mais diversas que me acometem. Ou dias, temporadas em que posso dizer "sim, sou feliz", bem como aquelas em que posso dizer que a desgraça habita sobre o meu ser. Confesso que estava a um ponto de convidar o velho pra uma cerveja, fazê-lo meu companheiro nesta noite de sexta - ao menos por alguns minutos, conversar com alguém cuja história anterior me era completamente incógnita me pareceu uma proposta das mais tentadoras. Antes que eu tivesse a oportunidade de qualquer gesto desta espécie, no entanto, o velho, prático como são os velhos que cheiram a talco, me redargüiu "E, afinal", riu, como quem fala uma verdade inabalável, "quem pode dizer que é realmente feliz, hein, meu filho?", e, ante minha estranheza com a rapidez de seu argumento, repetiu, "Hein? Quem pode dizer?".