Não bastasse o fracasso com seu último filme, Destino Insólito, de 2002, quando resolveu mexer em time que estava ganhando – suas tramas de gângsteres, marcadas por um humor cool e debochado – e empregar a então dona patroa Madonna, Guy Ritchie ainda por cima tem que amargar ser considerado uma cópia piorada de Quentin Tarantino. É o que parte da crítica vem falando a respeito dele ultimamente, principalmente sobre sua última realização, Rock’n’Rolla. Não acredito que seja propriedade de Tarantino uma série de cacoetes que são comuns aos dois: a violência, o nonsense, a incorreção política, a montagem ágil e o entrelaçamento de diferentes linhas narrativas culminando para um final surpreendente. Inclusive creio que por usar e abusar destes estratagemas, muitas vezes Ritchie só consegue repetir a si mesmo. Era, no mínimo, a expectativa que eu tinha antes de assistir ao seu penúltimo longa, Revolver, que fosse mais um projeto à la Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, quem sabe beirando Snatch – Porcos e Diamantes. Vã ilusão.
Em Revolver, Jake Green (Jason Statham, ator-fetiche do diretor) é um jogador que esteve preso durante 7 anos por ter caído nas tramas de Dorothy Macha (Ray Liotta). Agora em liberdade, Jake torna-se imbatível nas mesas de jogo usando uma fórmula que aprendeu com ex-companheiros de prisão.
Definitivamente, Ritchie está mais ambicioso. E é preciso entender por ambição uma atenuação da comédia e do humor negro mais descarado que seus longas anteriores tinham. Além destes estarem muitíssimos reduzidos em Revolver, o diretor também diminui grandemente a mão naquele estilo de edição “espertinha” que já se transformou em marca registrada sua – o que muitas vezes acabava por definir seu trabalho como filmes muito mais de forma do que conteúdo, aí se concentrando quase todo o apelo cool de sua filmografia, até mais intensamente do que na estratégia sempre empregada de personagens com sotaques acentuados, caricatos ou chefões do crime com métodos bizarros. Revolver representa uma tentativa do diretor de dar um passo adiante, introduzindo elementos estranhos ao seu universo, como a utilização de diversos recursos estilísticos, metáforas e alegorias, pretendendo criar uma profundidade maior em um roteiro que (e no final das contas é só isto) se apóia em todos os recursos possíveis para tentar alcançar profundidade onde ela não existe. Pra isso, Ritchie pega pesado e de maneira didática no voice-off, enchendo o espectador com a confusão mental de Green e mais tarde, também com o chefão Macha. A ambição de Ritchie é tanta, que o filme é permeado por citações de filósofos famosos sobre poder, decepção, guerra e xadrez – fora as metáforas religiosas/espirituais de que o filme está repleto (quando uma importante personagem renuncia à violência, Ritchie o enquadra para que o ouro deixado na parede atrás de sua cabeça forme uma auréola. Herança de Madonna, que quase estrelou a película?).
Mas é claro que um diretor como Ritchie, ainda que esteja um tanto perdido, não poderia realizar um filme de todo desprovido de qualidade. E, a bem da verdade, Revolver tem muitas, como a fotografia, que é sensacional, muitas vezes em tom azulado, evidenciando um clima que é muito mais introspectivo dos que os filmes anteriores do diretor. Também é preciso aplaudir o desempenho sensacional de Andre Benjamin (do Outkast), como Avi, que junto com o também enigmático Zach (Vicent Pastore), são como “condutores” ou protetores de Green no seu retorno à cena. O personagem Sorter (Mark Strong) também é uma grande criação de Ritchie, como um atirador quase infalível com uma audição sobre-humana. Não à toa, a seqüência de tiroteio em que Sorter usa sua audição para descobrir inimigos à sua espreita é uma das melhores do filme, com uma edição primorosa. Mesmo, assim, infelizmente, estes são ponto menores em um filme que, assim como muitos dos personagens, parece atirar para todos os lados, errando feio o alvo. Melhor sorte para Rock’n’Rolla.